segunda-feira, 11 de agosto de 2008

MADAME SATÃ E A ILHA GRANDE

MADAME SATÃ E A ILHA GRANDE

“A Ilha Grande é a minha segunda mãe”.  

(Madame Satã)


JOÃO FRANCISCO DOS SANTOS
(Madame Satã)
“João foi, como se diz, de tudo um pouco: malandro, artista, presidiário, pobre e até pai adotivo, até se tornar Madame Satã, cujo nome foi tirado de inspiração do filme Madam Satan, de Cecil B. De Mille, em 1930.”
(Por Tatiane Crescêncio 28/02/2006)

“Quando o conheci, já era sessentão... tinha o físico seco, sólido e razoavelmente musculoso.”  - (Oreste Ribeiro)

Infância Perdida
BANDEIRA DE GLÓRIA DO GOITÁ
É quase impossível falar do Rio Antigo, mais precisamente a partir da terceira década do século XX (passado), sem que o nome de Madame Satã seja lembrado. O mais famoso malandro que o bairro boêmio da Lapa abrigou, nasceu em 1900, em Glória do Goitá, Pernambuco, recebendo de batismo o nome de João Francisco dos Santos. Ele tinha 17 irmãos, que também eram filhos de Manoel Francisco dos Santos e Teresa Firmina da Conceição, descendentes de escravos, compondo uma família muito pobre, igual a todas as outras do interior pernambucano de então.

BANDEIRA DE PERNAMBUCO
Em razão da morte de seu pai, em 1907, a família que já era muito pobre ficou ainda mais pobre, que obrigou sua mãe a trocá-lo definitivamente por uma éguinha com o negociante de cavalos chamado Laureano. É mole?! Como todo “bom” canalha, prometeu a dona Firmina que o menino João receberia tratamento humano, casa, comida e escola. Mas, infelizmente, não foi isso o que aconteceu: Joãozinho, com apenas sete anos de idade, foi transformando numa criança escrava. Digamos que, de criança escrava para vítima de abuso sexual, a distância seja mínima, ou quase zero.

Chega ao Rio de Janeiro
MADAME SATÃ (1972)
Ocorre, que numa viagem à Itabaiana, estado da Paraíba, o menino escravo conhece outro “anjo da guarda” de nome sugestivo chamado dona Felicidade. Semelhante ao comerciante de cavalos compadeceu-se da triste situação da criança convidando-o para fugir. Ele aceitou o convite, e os dois fugiram para muito longe, longe de verdade. Chegaram ao Rio de Janeiro , em 1908, ano no qual, o Rio, foi chamado pela primeira vez de “Cidade Maravilhosa”, apelido carinhoso criado pelo escritor e jornalista maranhense Coelho Neto. Dona Felicidade monta uma pensão de nome Hotel Itabaiana, onde o pequeno João, aos oito anos de existência, fazia a entrega das marmitas.

No vai e vem das entregas, passou a freqüentar a Lapa, onde anos mais tarde se transformaria num dos malandros mais famosos e respeitados do Rio. Ruas estreitas e sujas, área de prostituição e jogo, e de muita malandragem. Amor a primeira vista entre João e a Lapa para onde fugiu em 1913 e foi viver intensamente.   Na nova “casa”, viveu como qualquer moleque de rua daquela época, sobrevivendo apenas do “Deus dará” e pequenos furtos. Cesto de feira e pé de escada era a sua cama. Em tal circunstância, e vítima de horrível destino, era preso e apanhava da polícia. Às vezes era socorrido pela cafetina Catita, mulher imensa de 180 kg que defendia os moleques como se fossem os seus filhos.  

Livrou-se do tormento da rua, quando conheceu o senhor Bernardo, vendedor de pratos e panelas de alumínio com quem passou a trabalhar para defender uns trocados. João abandonou a rua, mas não a Lapa querida. Em 1918, vai trabalhar como garçon na pensão da Lapa pertencente às madames Gaby, Naneth e Janeth. A relação entre ele e a Lapa só se interrompeu quando condenado pela justiça, a purgar grande maioria das suas penas, no famoso presídio da Ilha Grande, em Angra dos Reis, litoral sul do Rio de Janeiro.

Vida de Malandro na Lapa
Com um malandro e gigolô chamado “sete coroas” aprendeu a arte do jogo, da navalha, da rasteira e da valentia. Por volta de 1923, com 1,75 de altura e andar ligeiro, já era conhecido pelo apelido de Caranguejo, e temido pelo seu murro violento de esquerda, agilidade e resistência invejável. Era do tipo que não levava desaforo pra casa e não corria da raia. Entrava numa briga com muito gosto e coragem. Segundo a lenda, policiais e malandros foram humilhados no confronto com esse pernambucano que além de ter o “físico seco e sólido e razoavelmente musculoso”, “caminhava ereto e sempre apressado”.  Madame Satã era masculino e feminino, e muito macho sim senhor.

Um homem alto, magro e bonito chamado “Brancura”, foi o caso homo-afetivo mais conhecido de Madame Satã. Viveram juntinhos e felizes durante dois anos, até que um dia Brancura fugiu para São Paulo, para viver com uma mulher de verdade. Transtornado, foi atrás do seu grande amor, mas, em vão. Que pena!  Arrasado e vencido pelo destino retornou para o Rio de Janeiro. O bom filho à “Lapa” retorna.

Origem do nome Madame Satã
CECIL B. De MILLE (Cineasta)
Madam Satan - Assita o vídeo no youtub



Desde criança acariciava o sonho de ser travesti e assim “ser alguém na vida”, o que concretizou quando se fantasiou para um concurso lançado pelo bloco de carnaval de rua Caçadores de Veados. Outros rapazes da sua época também curtiam o mesmo sonho. Foi uma oportunidade de ouro para os homossexuais se exibirem com fantasias vistosas para as festas de carnaval da Cidade Maravilhosa. 

Certo dia, no Passeio Público (centro do Rio), foi preso com outros travestis e levados para a delegacia. Todos se identificaram com o seu nome de guerra ou profissão, exceto João Francisco dos Santos. O delegado Gonçalves estranhou o fato raro e, encontrando inspiração no título do filme americano Madam Satan (Madame Satã), de Cecil B. De Mille (1930) foi o responsável pelo apelido através do qual ficaria conhecido o lendário malandro da Lapa: Madame Satã. Gabava-se publicamente de ter sido o primeiro “travesti artístico” brasileiro.

Mais tarde, o pior aconteceu, enveredou pelo caminho do crime. Costumava dizer que não era bandido, e sim malandro. Por longo tempo foi considerado o terror do bairro da Lapa, centro do Rio (capital Federal da época), onde viveu e imortalizou seus feitos. Aos 29 anos foi preso por homicídio. O motivo foi uma briga entre ele e o guarda Alberto, dentro de um restaurante, que resultou na morte do guarda que o havia provocado e humilhado profundamente.  Fugiu, mas foi perseguido pela policia até ser capturado.

Entre uma decepção homoafetiva e outra, tinha uma recaída. Em 1946, conheceu Maria Faissal com quem passaria a viver, mas não por muito tempo. Mas, foram bons amigos.  Ainda bem.

Nas mãos da justiça dos homens
Madame Satã, enquanto nas mãos da justiça, respondeu a cerca de 29 processos referentes a agressões, desacato a autoridade, roubos e prática de um tal de “suadouro” muito comum nos bordeis (lugar destinado à prostituição) daquela época. Além do homicídio (guarda Alberto) citado anteriormente. Somados todas as penas contra ele foram 27 anos e oito meses, quase todas cumpridas no presídio da Ilha Grande. Era considerado um preso de excelente comportamento, relacionando-se bem com todos os companheiros de infortúnio e direção do presídio. As únicas faltas atribuídas ele, foram apenas algumas tentativas de fuga, que assim costumava justificar: “o pior para mim era perder a liberdade...”.

Minha querida Ilha Grande
Madame Satã (Pose predileta)
Depois de longo tempo vivendo distante da Lapa, o seu coração malandro cedeu lugar a outra paixão: Ilha Grande, que é a maior e mais bela  ilha de todo litoral fluminense. Afirmava com gratidão: “a Ilha Grande é a minha segunda mãe”. Depois de cumprir todas as penas, decidiu ficar por ali mesmo fixando residência na Vila do Abraão. Gostava de curtir sua casinha cercada por árvores frutíferas como bananeiras, jaqueiras e coqueiros, onde vivia em paz com a vida e a justiça dos homens. Para se manter, fazia trabalhos domésticos: lavava roupas para muita gente e cozinhava. Na profissão de cozinheiro ganhou fama com as suas famosas peixadas a moda Madame Satã, temperadas com condimentos tirados da mata local. Além de bom cozinheiro era também bom contador de histórias.

O sangue carnavalesco corria naturalmente nas suas veias. Durante o período da folia do Rei Momo, tinha o capricho de vestir-se com uma fantasia diferente para cada dia, e divertia-se pra valer. Contam que ele era danado, não dispensa uma noite sequer, e durante o dia saía no “bloco do sujo” com os rapazes da Vila do Abraão.   

Pai Adotivo
Como disse a Tatiane Crescêncio, João Francisco dos Santos foi de tudo um pouco: “malandro, artista, presidiário, pobre e até pai adotivo...”; tinha uma filha adotiva chamada Ivonete. Por ela lutou para que “tivesse um futuro digno”. O esforço dedicado não foi em vão, pois sua filha adotiva tornou-se professora. Afirmava ter outros filhos adotivos.

Viveu na obscuridade até 1971 quando foi procurado pelo Jornal Pasquim, único jornal alternativo que conseguiu sobreviver à ditadura militar (1964-1985). Ele cita na entrevista, que testemunhou na Praia do Corisco, localizado a cerca de quinze minutos do cais do Abraão (Ilha Grande), o assassinato de um preso chamado Jatobé, praticado por dois policiais covardes. A partir daí, volta a ser lembrado não mais como bandido e, sim, uma lenda que passaria definitivamente a fazer parte da história do Rio e da Ilha Grande.

Amigos no meio artístico
Madame Satã
No hospital de Angra dos Reis
Carisma e fama ajudaram-no conquistar amigos no meio artístico. Em janeiro de 1975, trabalhou na peça teatral Lampião do Inferno, na qual relatava fatos de sua vida na malandragem. A peça teve vida curtíssima. Os responsáveis pelo projeto de muitíssimo mau gosto, que conseguiram convencer um idoso de 75 anos, debilitado, às vésperas da morte, a reviver um passado triste e infeliz, justificaram o fracasso, afirmando que Madame Satã, não concordava muito em submeter-se às regras disciplinares da vida teatral. Pode? Por conta disso, foi abandonado e esquecido, pois tudo indica que queriam apenas explorar o passado miserável de um ser humano. No ano seguinte... 1976.

Depois desse lamentável episódio, que possivelmente justifique a sua impaciência, ao sentir-se doente e debilitado, procurou em Angra dos Reis, socorro médico no Hospital e Maternidade Condrato de Vilhena (Codrato/Coldrato), onde permaneceu internado por vários dias como indigente e no anonimato, sem que os médicos conseguissem identificar a doença que o vitimara. Lá, foi descoberto pelo Jornal O Globo, que tornou público as condições em que se encontrava o mais famoso malandro e boêmio do lendário bairro da Lapa.

Últimos meses de vida (um anjo da guarda do 'bem')
HÉLIO JAGUARIBE (JAGUAR)
Cartunista e Jornalista
“Mesmo, debilitado, desanimado, mantinha, entretanto, parte do espírito teatral de outrora, como nas ocasiões em que desabafava para os enfermeiros que cercavam sua cama: Madame satã, o travesti da Lapa, o marginal perigoso, está no fim. E após uma pausa, acrescentava: E que fim.” 

O cartunista Jaguar, ao tomar conhecimento do fato, compadeceu-se com a triste situação do amigo e, junto com a atriz Norma Benguell e Joel Barcelos transferiram-no para o hospital do INPS (INAMPS) de Ipanema, bairro nobre da zona sul do Rio, onde foi possível diagnosticar “câncer no pulmão em fase avançada”, doença que já havia comprometido outros órgãos.


Falecimento de Madame Satã - (Hospital do INPS de Ipanema, Rio)

Madame Satã, no Hospital INPS de
Ipanema, com a atriz Norma Benguell
22/fev/1976 
Internado, João ainda resistiu dois meses. Sozinho numa enfermaria, com 18 quilos a menos que o normal faleceu no dia 12 de abril de 1976, às 17 horas e 30 minutos. Na ficha, a causa da morte: câncer pulmonar com metástase (disseminação da doença em outros órgãos). Passava pouco das 21h quando o jornalista Jaguar, enviado por Deus (acredito), chegou ao hospital para reclamar o corpo do amigo. Logo depois chegava Ivonete, a filha adotiva de Madame Satã. Juntos cumpriram o seu último desejo: corpo de João Francisco dos Santos foi transladado para Ilha Grande e sepultado dignamente no cemitério da Vila do Abraão, no dia 14 de Abril.

Dois meses antes de falecer, disse ao repórter do mesmo Jornal: “A morte é o fim de todos. Pois, que venha logo, que eu não quero ficar entrevado numa cama!”. E assim se realizou o desejo do coração.
Parabéns ao cartunista e jornalista Hélio Jaguaribe, o Jaguar, pelo belo ato de humanidade. Valeu querido irmão.

Pesquisa: Guia José Carlos Melo / Rio de Janeiro
Fontes e créditos: Rogério Durst/1985; Pedro Luiz; Jornal do Brasil e o Globo; Orestes Ribeiro; Jornal Pasquim e outros. 
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Verdade que liberta: 
Salmo 41 - Bíblia Sagrada
1. "Bem aventurado é aquele que socorre ao necessitado; O Senhor (Deus) o livrará no dia do mal.

2. O Senhor o protege e lhe preserva a vida, será feliz na terra: não o entrega à vontade dos seus inimigos; na doença tu lhe afofas a cama.

JESUS CRISTO é A NOSSA ÚNICA ESPERANÇA!

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